segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Análise: Catherine




O Amor Está Morto

Dos mesmos caras por trás do incrível e cultuadíssimo JRPG de PS2, Shin Megami Tensei 3: Nocturne, Catherine marca a estréia da softhouse japonesa Atlus nos consoles da atual geração. Muito presente nos portáteis e trazendo localizações precisas de jogos de outras desenvolvedoras, a Atlus demorou muito para investir de vez em uma produção realmente de peso e digna de alta definição. Não que seus games não o sejam, muito pelo contrário, mas o que anda acontecendo por lá? Kazuma Kaneko, onde está você? Síncopes à parte, tardou mas não falhou: A loira ninfeta e devassa Catherine já está entre nós.

É difícil descrever Catherine. O que mais ouvi nesses últimos tempos foi “Mas o jogo é o quê? É RPG? É simulador de encontro? É resolução de quebra-cabeças?”. A resposta para todas essas perguntas é não. E sim. Na verdade, o jogo é tudo isso aí meio que misturado. Mas antes de adentrar em terrenos sombrios, permita-me explicar o que, de pronto, seria o mais funcional: A trama.

 “O casamento é uma loteria, na qual os homens apostam sua liberdade e as mulheres, sua felicidade”




Você é Vincent Brooks, um apático engenheiro de sistemas de 32 anos de idade. Um cara legal, sem muitas ambições namora Katherine (repare o K no lugar de C), mulher madura, com visão e perspectivas. Nervosa. Namoram há tanto tempo que Vincent sequer se lembra quando começaram. Acontece que nesses últimos dias, Katherine resolveu que está cansada do marasmo, da mesmice e do comodismo. Ela quer dar o próximo passo. Quer “amarrar os nós”, como Orlando, camarada de Vincent, costuma dizer.

Nesse mesmo dia, depois de uma noite de bebedeira com os amigos no bar preferido dos caras, o Stray Sheep, Vincent ainda não se sente bem o bastante para voltar para casa. E é bem sob essas circunstâncias – meio embriagado, emprego novo, sem grana, com a namorada querendo casar – que Vincent é vítima de uma criatura da noite. “Posso sentar aqui”, ela indaga, com voz doce. “Er, uh, claro”. Algumas horas depois, lá está o cara, desnudo em sua cama, deitado ao lado da garota da noite passada.
Vincent se torna um adúltero, e não há nada que possa ser feito para mudar isso.

A partir daí, a vida do cara muda absurdamente. Ele passa a ter pesadelos noite após noite e não consegue se lembrar exatamente o que acontece neles. Imagine um sujeito formado e adulto molhando a cama pela primeira vez desde o primário. Tudo passa a girar em torno de tomar a atitude correta. Vincent sabe que tem que confessar seus atos e arcar com as conseqüências. Mas a oportunidade para fazê-lo nunca parece acontecer. E então ele vai cada vez mais se afundando no poço do crime e castigo. Isso tudo sem levar em consideração o medo que cresce quando Vincent começa a associar a sua atual situação com a de outros jovens em plena flor da idade que insistem em aparecer mortos pela vizinhança.

Dentro de toda essa realidade perturbada e turbulenta, você acompanhará Vincent por 9 dias e 9 noites. E a jornada será divertida, comprometedora e muito, mas muito estranha. Ainda mais se você levar em consideração que tudo é apresentado pela voluptuosa e sebosa Midnight Venus, dentro de um programa de TV chamado Golden Playhouse. O game exala estilo desde sua tela de Press Start até no modo como a história é contada. A arte de Shigenori Soejima, o mesmo de Persona 3 e 4, combina perfeitamente com os gráficos em cel shading. Isso sem falar do narrador, uma voz onipresente e alheia em forma física, mas sempre em dia com os acontecimentos e sempre alfinetando com uma tirada irônica quem está no sofá segurando o controle.

“A vida é um palco e todos os homens e mulheres meros atores”



Se Shakespeare vivesse nos dias de hoje, talvez ele substituísse esse atores por jogadores. Talvez. Logo de cara, será dada a você a oportunidade de selecionar a dificuldade do jogo. No fácil, o game irá amamentar você (piada infame, eu sei); no normal, o game irá desafiar você; no difícil, o game fará você em mil pedaços. Comentar a dificuldade nos remete a dividir as aventuras de Vincent em duas grandes metades: O bar Stray Sheep e Nightmare.

Quando Vincent está no bar, uma gama de possibilidades estará à disposição do jogador. Você pode escolher entre os 4 tipos de bebidas disponíveis no bar – as quais, claro, deixam o cara bêbado e surtem efeitos posteriores; há a famosa máquina de fliperama dividindo o canto com as baratas: Lá você poderá jogar Rapunzel, um mini-game inspirado na segunda grande metade de Catherine.

Fuçar na jukebox é sempre uma opção, e os fãs de longa data da Atlus e, especialmente, do demonólogo Shoji Meguro, vão se deliciar quando uma música de Persona 2 ou Digital Devil Saga aparecer entre a lista de seleção. No banheiro, Vincent pode ter momentos mais íntimos consigo mesmo e com seu celular. Mas só para ver fotos enviadas pela provocante Catherine, claro.

Por falar em celular, esta é uma das grandes armas que o programador terá para tentar se acertar com Katherine ou para se firmar como um namorado canalha e descompromissado. A interação nesse aspecto é um dos pontos altos do game: sempre será dada ao jogador a possibilidade de seguir caminhos extremos. Explico melhor: cada vez que você toma uma decisão ou dá uma resposta, um marcador aparece na tela. A direita, azulada, é representada por um gorducho anjinho e a esquerda, avermelhada, um diabo do mal.

Digamos que Katherine lhe envie a seguinte mensagem no celular: “Ainda no bar? Mas você não precisa trabalhar amanhã cedo?”, cabe a você, jogador, responder da forma como achar cabível. “É. Tem razão. Vou pra casa. Desculpe”, ou então “Talvez”, ou até mesmo “Cuide de sua vida. Eu faço o que quiser”. É oito, oitenta ou a frieza do meio termo. Esse foi um simples exemplo de uma infinidade de situações com que Vincent irá se deparar. Mas não esqueça que o cara está com um sentimento de culpa pesado e crescente, e que tudo pode vir a se complicar cada vez mais e mais. Afinal, ele gosta da namorada, mas é incontestável que essa nova aparição loira e rosada está abalando as coisas.



Há sempre brechas para conversar com seus amigos. Orlando, o cara mais experiente do grupo, é um divorciado que não acredita mais no amor: Foi abandonado pela ex por conta de problemas financeiros. Jonny é o mais introspectivo e sábio do bando: apesar de ter uma namorada e de se relacionar bem com ela, está numa busca continua por sua cara-metade. Toby é o mais moleque, sempre de alto astral e com muitas esperanças e planos, logo, cabe aos outros 3 enfiar um pouco de realidade na cabeça do garoto. O barman, chamado por todos de Boss, é o canalha de meia idade que já viveu muito na vida e sempre faz uso de uma frase de algum filósofo ou dramaturgo famoso nos momentos mais complicados. E ainda há Erica, a garçonete em trajes curtos e provocantes, que mete o bedelho quando não é chamada. O legal é que, com exceção de Boss e Toby, todos os outros passaram pela época de colégio juntos, então eles tem muita história para contar. Ainda mais depois de alguns copos de whisky.

Além de tudo isso, muitas outras pessoas freqüentam o Stray Sheep. Você pode interagir com todas elas, ou com nenhuma delas. Todas tem um papel interessante na trama principal e mudam o desenrolar das coisas. Mas saiba que o seu tempo no bar é limitado: todas as suas ações fazem com que o tempo passe e, mais cedo ou mais tarde, sóbrio ou completamente embriagado, Vincent precisa ir para casa. E a noite, no seu quarto, sozinho e munido apenas de cueca samba-canção e seu fiel travesseiro, o trintão vai precisar encarar seus piores pesadelos.

“Não case por dinheiro, você pode conseguir empréstimo mais barato”



Depois de pegar no sono, Vincent será só uma entre tantas ovelhas, ou melhor, carneiros (porque, sabe como é, sheep significa tanto carneiro quanto ovelha em inglês), vítimas de uma espécie de punição do subconsciente. Em um mundo onírico sem pé nem cabeça, onde nada faz o menor sentido, você será obrigado a escalar uma série de blocos de um 1 metro e oitenta por 1 metro e oitenta até chegar ao ponto mais alto da “torre”, para sobreviver e alcançar a próxima etapa no processo de punição.

A outra grande metade da jogabilidade gira em torno destes blocos – ou cubos, como preferir -, de como escalá-los, dos itens utilizáveis e demais bizarrices que envolvem essas partes.

Levei um tempo para me acostumar com Vincent usando só roupa de baixo. Não sei se é bem a roupa íntima, ou se são os chifres de carneiro em meio aos cabelos desgrenhados, ou se é aquele travesseiro que ele nunca solta... Mas enfim, algo ali me incomoda.

Esqueça as leis da física, pois nada se aplica aqui. Os cubos estão suspensos no ar e eles só precisam de uma aresta para se suportarem. Vincent é uma cara sem dotes físicos, logo ele só consegue ou empurrar o bloco para frente, ou puxá-lo para trás. Além disso, você só pode escalar um bloco por vez, ou se dependurar pelas arestas para alcançar lugares não possíveis de outra forma. Sempre para cima. Sempre. Mesmo que, para isso, às vezes você tenha que dar alguns passos para trás. A visão isométrica ajuda a criar um panorama completo dos blocos e de tudo o que você pode fazer com eles. Parece complicado? É. É muito. O jogo não tenta de formar nenhuma esconder sua dificuldade e você será punido caso resolva encará-lo de frente. Antes que me esqueça, há tempo para passar pelas fases: O chão sempre irá ceder, e se você não for rápido, irá morrer. E, caso morra, ou voltará ao começo da fase, ou de um dos escassos check points que encontrou pelo caminho. Outra coisa: as vidas são limitadas, no melhor estilo 8 ou 16-bits.

Para dificultar ainda mais, existem diversos tipos de blocos. Os convencionais não implicam dificuldades: Vincent os puxa e os empurra rapidamente, não há problemas para escalá-los e eles sempre são iguais. Mas há o bloco de gelo, que é escorregadio e que o levam direto para o fundo do buraco; há o bloco bomba, que explode todos os adjacentes; há o bloco pesado, lentíssimo para ser puxado ou empurrado; além do bloco armadilha, que mata Vincent caso ele demore para passar por eles, do bloco que nunca sai do lugar e muitos outros.

Algumas fases são simplesmente de enlouquecer. Acredite, os pesadelos de Vincent passarão a ser os seus também, pois você verá blocos, ouvirá sinos, e estará de cueca onde menos esperar.



Mas nem tudo está perdido, pois Vincent encontrará pelo caminho itens muito úteis. Estes podem salvá-lo em determinados momentos. Um bloco novo na sua frente pode ser o caminho da vitória, ou um tônico que faz Vincent escalar dois blocos ao invés de um pode vir a ser muito útil. Como existem outros carneiros tentando escalar e só um pode ocupar um bloco por vez, é matar ou morrer. A bíblia pode derrotar todos os inimigos presentes, enquanto que o sino pode transformar blocos adjacentes em blocos normais. Cuide dos itens como se fossem sua própria vida e os use de forma sábia. Infelizmente, só é possível carregar um deles por vez.

Além destes, o botão Select (ou o Back, no caso do Xbox 360), também será seu melhor amigo. Fez bobagem? Empurrou um bloco que deveria ter puxado? Select/Back. Você voltará imediatamente a sua ação anterior, podendo ser usado até 9 vezes consecutivas.

Ao lado da tela, você pode acompanhar suas escaladas e precisar o quanto ainda falta para o final, além de ver o quanto dos blocos já cederam. Quando o pináculo estiver próximo, o badalar de um sino soa como algo mal assombrado. É o sinal da vitória, mas também aumenta a tensão. “E o porquê do sino”, você se pergunta?

“Casar é dividir os direitos e dobrar os deveres”

As noites são divididas em diversas fases. Algumas noites tem mais e outras, menos. Intercalado às fases está o meu lugar preferido no jogo, os Landings. Essas simulações de igrejas - e aí o porquê dos sinos - são o ponto de descanso e interação entre todos os carneiros sobreviventes. Aqui, Vincent pode trocar técnicas de escalada com outros, notar que alguns carneiros apresentam traços semelhantes às pessoas que freqüentam o Stray Sheep (de se pensar), comprar itens usando Moedas de Enigma (unidade monetária do game), ou ir para a próxima fase.

Um dos pontos mais interessantes em Catherine está justamente aqui, em ir para a próxima fase. Ao adentrar um confessionário, Vincent trocará algumas palavras com o que parece ser um padre – na cabine ao lado, claro – que só alfineta. Alfineta e pergunta coisas absurdamente comprometedoras, que podem fazer com que você acabe por discutir com sua (seu) parceira(o)/namorada(o)/esposa(o)cônjuge. As perguntas aqui são diretas, sem rodeios. É isso ou é aquilo. Ou você é um pervertido, ou não. Ou você curte mulheres ninfetas, ou recatadas. Ou você quer um relacionamento sério, ou você quer só curtir a vida. Esse é o ponto que mais altera o seu nível de “anjo/diabo”, digamos assim, e que fará vir a tona um dos 8 finais possíveis.

Mas nada disso faria o menor sentido se, antes de acordar, Vincent não tivesse um baque forte o bastante para fazê-lo voltar ao mundo dos vivos. A solução para isso foi encontrada da seguinte maneira: Colocar no encalço do cara, enquanto ele tenta freneticamente escalar os blocos, um monstro enorme, horroroso e que grita muito alto. Os cenários de chefes são cruéis, e os monstrengos irão permanecer na sua memória por um bom tempo. Sejam eles bebês com serras-elétricas no lugar dos braços, ou noivas sanguinolentas com facas enormes em punho.

O seu desempenho, ao concluir uma faz,e será presenteado com um troféu de bronze, prata, ou ouro. Consegui-los desabilita novas fases em  outro modo de jogo, o Arena, disponível após concluir o game.

Em termos de multiplayer e modos de jogos, o game não tem muito a oferecer: Além de jogatina local com um amigo, todos os seus recordes nas fases serão enviados para um leaderboard mundial. O mais interessante, porém, é espiar as respostas dos outros jogadores na hora do confessionário. É de uma curiosidade mórbida saber quem, de todos os homens e mulheres que jogaram, se consideraram um pervertido sexual ou não.

“Blocos do c******! Vou escalar todos vocês, malditos!”



Catherine não é um jogo para maiores de 18 por trazer palavrões, cenas de nudez parcial, sexo induzido, assassinatos e demais temas considerados “adultos”. A proposta aqui requer uma certa bagagem de vida para ser entendida e apreciada. Para colocar de forma simples: Catherine não fará o menor sentido àqueles que nunca tiveram uma desilusão amorosa. Simplesmente não surtirá efeito.

O ponto alto do game é você se sentir na pele de algum dos personagens, não exatamente por já ter feito algo parecido com o que eles fizeram, mas por entender a situação como um todo. Concordando ou não. Por saber o que é sofrer por amor. Ou matar por amor.

Catherine pode ser considerado um jogo machista, dado o ponto de vista. Já que acompanhamos a parte traidora, o homem da relação, é claro que teremos as perspectivas relativas a essa realidade. Seria bem bacana poder ver o lado de Katherine também – quem sabe em uma continuação? -, mas, dentro da proposta que o game apresentou desde sempre, não haveria como ser diferente.

O jogo consegue manter um balanceio muito bom entre sequências de interação social e quebra-cabeças. Os momentos no bar servem para refletir o caminho que o game está tomando e que tipo de pessoa você quer ser, enquanto os pesadelos são jogabilidade pura e intensa, num estilo exótico e que não escapa do “ame ou odeie”.

Não recomendaria Catherine por aí. Definitivamente não. É um jogo com diversos pré-requisitos, pelo bem ou pelo mal. Ao meu ver, precisamos de mais jogos que não tentam ser algo a mais, que não se rendem ao que número de vendas indiquem. Catherine é exatamente isso. Uma grata surpresa.

Confira mais imagens de Catherine em nossa galeria.

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