segunda-feira, 12 de setembro de 2011

El Shaddai: Ascension of the Metatron




Quando foi exibido ao mundo pela primeira vez na E3 do ano passado, El Shaddai: Ascension of the Metatronembasbacou a todos com seu visual extremamente arrojado e distinto, com personagens trazendo traços realistas em cenários exuberantes e pitorescos. Não foi à toa a comparação quase que imediata com o incrívelOkami, já que grande parte do time responsável por El Shaddai é constituído por ex-funcionários da extinta Clover Studios. Inclusive Takeyasu Sawakim, diretor deste game e responsável pela direção artística no conto de Amaterasu.

O nome do jogo já entrega toda sua temática, mas, para entendê-la, um certo conhecimento bíblico/toráico judaico-cristão se faz necessário. Caso você tenha faltado nas aulas de catecismo ou não freqüente assiduamente uma sinagoga, eu dou uma mãozinha: El Shaddai vem do hebraico e significa “Deus Todo Poderoso”, enquanto Metatron, também oriundo do hebraico, é o nome do anjo mais próximo de Deus, aquele que escreve todas as suas falas e ações. Seria redundante dizer que El Shaddai tem toda sua trama focada em escrituras religiosas ancestrais, criando, a partir daí, uma nova e instigante história.

A segunda Torre de Babel na Terra

Você assume o papel do herói mudo Enoch (talvez o Metatron do título?), escolhido a dedo por Deus para realizar uma difícil tarefa: expurgar o mundo dos homens de sete anjos que deixaram o reino do céu para descobrirem o verdadeiro significado do amor. Nessa busca, os seres divinos não só se misturaram entre os humanos, como procriaram com suas fêmeas, gerando aberrações conhecidas como Nephelins.

Para entender quem ou o que é Enoch, cabe um estudo etimológico aqui também. Nas antigas escrituras, Enoch é o nome dado ao primeiro filho de Caim, o irmão rebelde de Abel, filho de Adão e Eva. Com o decorrer da história, percebemos que o Enoch do jogo é, no entanto, baseado em um outro personagem bíblico, pai de Matusalém, que andou ao lado de Deus e, por ele, foi concedido vida imortal.

Fugindo um pouco disso, o mundo que conhecemos não existe mais. O centro de tudo está em uma enorme torre construída pelos anjos rebeldes. Lá, humanos são tentados e desviam seu caminho das ordens do Senhor do Céu. Éons se passaram desde a vinda dessas agora vis criaturas e, sem mais opções, a ordem que vem de cima é um tanto quanto extrema. Um segundo dilúvio tomará forma, caso Enoch falhe em sua missão.

Para ajudá-lo, Deus abre mão de um de seus maiores guerreiros e aliados, Lucifel. Sem reviravoltas, Lucifel é sim Lúcifer, o primeiro dos anjos caídos, senhor das trevas e tentador-mor dos homens. Aqui, nesta história, Lucifel não é um rebelde, mas um ser delgado e de bons modos, com aparência humanóide e constantemente falando a um celular com quem parece ser Deus em pessoa. Não há tentativa do game em esconder tal fato e, apesar disso não ser algo esculpido em pedra, as interpretações apontam para tal (lembram de Louis Cypher em Shin Megami Tensei? É o oposto disso).

Além dele, os 4 arcanjos maiores, Gabriel, Miguel, Rafael e Uriel, não podendo assumir suas formas celestiais na terra, surgem como cisnes - com exceção de Uriel - que auxiliam Enoch com sua missão. Os tutoriais do game são todos ditados pelas doces vozes dos cisnes.

Deu para sacar que a história não é das mais acessíveis e convencionais. Seria praticamente impossível parear os visuais, trilha sonora e jogabilidade com uma temática tão ímpar. El Shaddai oscila entre alcançar essa proeza fervorosamente e deixar a desejar de maneira decepcionante.

Seus olhos vão saltar das órbitas

Sem exagero, El Shaddai traz um dos visuais mais incríveis que já tive o prazer de apreciar em um jogo de videogame. Alguns dos cenários são tão deslumbrantes que me peguei por várias vezes simplesmente largando o controle sobre o sofá para acompanhar os ventos, o passear das nuvens e o colorido vivo de todos os elementos que compunham aquela paisagem em específico. É difícil tecer comparações, mas algo como uma prole bizarra deChild of Eden com Okami, somado a Wet e Killer 7 é por onde eu começaria a apontar.

Não estou me referindo a contagem de polígonos na tela ou a incríveis texturas na unha de um personagem lá no fundo do cenário. Nada disso. É pura direção de arte. Essa entrevista com o diretor do game mostra um pouco mais suas inspirações.

Para falar mais dos gráficos, é impossível fazê-lo sem começar a detalhar a jogabilidade, já que há uma tentativa em unir as duas partes. El Shaddai é um jogo de ação com muitos elementos de plataforma. As batalhas são dueladas nos moldes dos grandes jogos do gênero, com BayonettaNinja Gaiden 2 e God of War 3, mas compará-los é um grande erro. Pode parecer difícil não fazê-lo, mas o primeiro passo para apreciar El Shaddaicomo um jogo de ação por si só é enxergá-lo por si só.

E se Bayonetta fosse uma beata?

Bayonetta é o representante definitivo desta geração no que diz respeito a jogos de ação. Essa é minha opinião e será difícil algum jogo destronar a bruxa cabeluda do primeiro lugar. Partindo daí, como abordar El Shaddai?

El Shaddai foge dos convencionalismos que passaram a fazer parte de todos os jogos de ação depois de Devil May Cry e God of War. Não há menus, inventório, nem itens, nem equipamentos. Não há barras de energia, nem pontos de experiência para gastar, nem habilidades para conquistar. Não há nada disso.

Existe um único botão para desferir os golpes. Isso pode parecer extremo a princípio, mas funciona bem. Ao invés de intercalar golpes fracos, direcionais e golpes fortes, o segredo para se criar combos está no tempo. Aposto que você também estranhou isso quando controlou Dante pela primeira vez. Diferentemente de todos os jogos que citei aqui, El Shaddai é lento, mas isso não necessariamente quer dizer que seja ruim. Leva um tempo para se acostumar à simplicidade da jogabilidade, mas, depois de dominada, a sensação é a de ar fresco.

Para desferir seus golpes executados com paciência e cadência, Enoch terá a sua disposição três armas. É, só três. Acho que ficamos mal acostumados com o sem fim de opções dos jogos modernos e o que El Shaddai faz aqui é nadar em direção contrária a corrente. Arch é uma espécie de arco e flecha mas sem as flechas e Enoch o usa como espada (!) e esta é a arma com o melhor balanceio entre velocidade e dano. Por falar em dano, o mesmo é identificado pela armadura quebrada de cavaleiro branco. Quanto menos pedaços de armadura, mais próximo de sua morte. O mesmo para os inimigos, portanto nada de barras de energia. Aliás, a tela toda é limpa, o tempo todo. Nada de indicações de poderes mágicos ou pontos de experiência ou contagem enlouquecida de combos. Voltando para as armas, Veil é a segunda da breve lista a ser introduzida, sendo a única que dispara projéteis e pode atingir inimigos de longas distâncias. O visual dela lembra um rosário grande, que flutua e circunda o herói. Com ela, Enoch se torna muito mais ágil, com sua esquiva passando de um simples pulo para trás para um quase teletransporte para alguns metros à frente. Por fim, Lucifel introduz Gale, uma espécie de escudo utilizado como uma poderosa arma de ataque corporal. Apesar de lenta, seu dano é o maior que o jogo tem a oferecer. Não preciso dizer que Enoch se torna muito mais lento quando faz uso dessa arma.

Já havia dito que não há inventório de itens no game – já que não há itens – e o mesmo se aplica para as armas. Você só pode carregar uma por vez e para conseguir outra, há duas opções: Roubá-las dos inimigos ou resgatá-las de sementes espalhadas pelo cenário. Durante as batalhas, Enoch poderá fazer uso de uma de suas habilidades mais interessantes, a purificação. Após uma bela coça em uma criatura celestial caída, o herói de longas madeixas loiras a terá de joelhos diante de si. Aí é apertar um botão e roubar a arma do monstro, inutilizando aquela que você estava usando antes. Desarmar as criaturas é altamente recomendado, mesmo que você não esteja muito afim de utilizar aquela arma naquela situação.

É impossível não se decepcionar quando, em menos de uma hora de jogo, Lucifel diz algo do tipo: “(...)e, finalmente, essa é Gale, a última das armas divinas”. Sim, é imprescindível trocar as armas o tempo todo e o jogo faz um bom trabalho em forçar o jogador a isso, mas não tenho como esconder a decepção. Mas antes que me esqueça, devo dizer que as armas se quebram e, desprovido de armamentos, Enoch utilizará seus próprios punhos nos embates. Então, corrijo-me, são 4 armas no total. Mesmo assim...

Enfrentar os inimigos é sempre obrigatório para que o jogo progrida. Já que a exploração dos cenários é praticamente zero, essa é sua métrica de evolução. Inimigos mortos deixam esferas alaranjadas para trás que, de forma tímida, aumentam o poder de suas armas. Acho que vale revelar que todas as habilidades desferidas por Enoch estarão a disposição do jogador desde o começo do game, com exceção dos poderes especiais concedidos por Uriel, o arcanjo da guerra, quando um pacto com o guerreiro é realizado.

Caso seja derrotado, Enoch poderá voltar a vida exatamente no momento em que sucumbiu. Apertar os botões dos ombros do controle e mais os de pulo e ataque farão o cavaleiro divino retornar a vida e será possível realizar tal proeza não mais do que cinco vezes, e isso se você for rápido no gatilho.

Em termos de jogatina online e multiplayer, o jogo é nulo. Após concluir a história – e aqui devo enfatizar meu desapontamento por não haver reviravoltas na trama e pelo final deixar muito a desejar – a galeria de arte se tornará selecionável. Lá, 32 artes conceituais estarão disponíveis para visualização e mais uma decepção: As imagens não estão em alta resolução e não é possível sequer ampliar em algum ponto específico. Não há muito para se fazer além de experimentar o game nas dificuldades hard e extra após concluí-lo pela primeira vez.

De colecionáveis, somente as cartas entregues pelos humanos conhecidos como Freemen, aqueles que constituem uma força de resistência aos anjos caídos. Tais cartas complementam a história de forma brilhante. Vale a pena procurá-los.

Pelo direito de sofrer punições e morrer

Disse anteriormente que El Shaddai traz dois tipos de jogabilidade bastante distintas: A ação das batalhas e as sequências de plataforma. Essa segunda é realmente um dos grandes destaques do game, ao lado do insólito visual. Não serão poucas as vezes que o jogo simplesmente muda sua perspectiva para o famoso 2.5D, com os gráficos continuando em 3D, mas com a jogabilidade totalmente reformulada, relembrando momentos áureos deSuper Mario Bros. e Castlevania.

Os gráficos tentam acompanhar a guinada nos controles e o conseguem brilhantemente. De cenários tão coloridos que beiram o infantil para algo mais infernal, com mares de fogo e chamas, é incrível intercalar entre esses dois momentos. Mas, infelizmente, há um grandissíssimo porém.

Por mais que, aparentemente, alguns momentos apresentem uma certa dificuldade, esta, na verdade, não existe. Mesmo tentando de muitas formas trazer algo diferente das convenções trazidas pelo gênero nos últimos anos - e obtendo êxito em alguns casos - El Shaddai não conseguiu fugir de uma delas: A não valorização da vida.

Certo, você está diante um penhasco e precisa pular em um pequeno pêndulo se movimentando rapidamente e logo em seguida pular na crista de uma onda para alcançar uma plataforma voadora muitos metros a frente. Aparentemente desafiador, não? Sem dúvida que sim, não fosse pelo simples fato de que, caso você deslize ou erre o pulo, você retorna imediatamente antes do salto, sofrendo dano mínimo. Esse é um belo exemplo de como os atuais desenvolvedores de games lidam com os jogadores, tratando-os como crianças débeis que precisam ser alimentados a colheradas bem servidas a todo momento.

Com uma trilha sonora absurdamente incrível – não ficava tão impressionado assim desde Nier -, gráficos distintos de tudo que você já viu e uma jogabilidade que oscila entre o brilhantismo e o decepcionante, El Shaddai é um game que merece sua atenção. Caso você não seja um fã fervoroso de jogos de ação, enfatizo minha recomendação ainda mais, pois consigo entender perfeitamente a dificuldade que os maníacos por Dante, Ryu Hayabusa e Bayonetta terão para não compará-lo aos grandes campeões do gênero. 

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